Um conto: A profecia

45 anos antes da era comum

Gemidos angustiantes sobressaem por entre os corpos caídos. O caos impera e a força se impõe atordoante, tal como o ruído impetuoso de trovões retumbantes sobre nossas cabeças. Haverá o céu caído sobre nós? Incapazes de antever tamanha atrocidade, muitos dos nossos confiaram nas belas palavras de um mediador a nos oferecer guarida contra as tribos do norte. Mas seu verdadeiro intento se escondia por trás da própria glória. Talvez, instigado pelas intermináveis disputas internas de nossos reis, que colocava-nos em constante perigo, favorecendo, assim, a infiltração gananciosa de suas tropas. Brenno não pretendia fugir e nem temia a morte, apesar da juventude, havia em seus atos muita maturidade, muito além do seu estado de dor e desolação atual.

- Acorda, Brenno! Por onde vagueiam seus pensamentos? - disse seu irmão mais velho, Armel. Homem forte e destemido como um touro, que também fazia parte do pequeno grupo de sobreviventes.

Brenno, responde um tanto absorto e meio distante, atento à manifestação da segunda visão, um dom natural que sempre o ajudou em suas jornadas.

- Por hora, busco apenas um sinal, uma visão ou a mensagem dos Deuses para nos conduzir de volta à aldeia, mas ainda temo, pois precisamos enfrentar o desafio desolador de viver com os pouquíssimos recursos que nos restam. Mas onde estará o Senhor das Cem Batalhas?

- Nosso líder sumiu. Maldito seja César, que nos encurralou nessa emboscada! O general romano é astuto, um estrategista fora do comum - comentou Armel com voz cansada.

O jovem guerreiro fez um gesto vago com as mãos, pedindo para o irmão calar-se, o que Armel fez imediatamente, prevendo uma visão de Brenno, que neste instante, saca a faca presa à cintura e risca um pequeno corte no polegar da mão direita. Em seguida, ao gotejar do sangue rubro, coloca-o na boca e ao retirá-lo começa pronunciar as seguintes palavras:

- Meus olhos físicos enxergam o que há por trás dos véus, as imagens são confusas e ouço o que os seres brilhantes me dizem... Haverá muito sangue, morte e destruição, os grandes líderes cairão, os encantamentos que nos protegem serão quebrados e o fim logo se aproximará. Os invasores não são invencíveis, mas o sonho de expulsá-los ainda está longe de se tornar realidade. Somente o sacrifício do grande herói poderá salvar os demais. Apesar da eminente derrota, seremos vitoriosos no futuro, retornaremos renovados e prontos para um novo combate.

A cabeça de Brenno começa a girar e as imagens se dissipam. Seu corpo está fraco. Neste momento, Armel apóia o irmão cambaleante. Os demais guerreiros chegam ao local onde se encontram os irmãos. Ao todo restam somente oito sobreviventes, cinco homens e três mulheres.

***

Muitas luas se passaram, o sol percorreu um longo caminho e findou como surgiu por entre as montanhas verdejantes do vale que, dia após dia, começava a perder o seu viço. Um corvo sobrevoou o céu, pronunciando as mudanças iminentes. O império por fim dominou nossas terras, subjugou o restante do povo incapaz de reagir com medo das constantes ameaças de tornarem-se inválidos mutilados e se fundiam lentamente aos novos costumes. As reformas administrativas agregavam mais poder ao tão aclamado "Pater Patriae", o cognominado pai da pátria, que institui um novo medidor de tempo em sua própria homenagem, o calendário Juliano. A contar desta data, sete anos se passaram desde a derradeira derrota e apenas um ano da morte de Vercingetórix, exibido como troféu sórdido do triunfo romano. Resta apenas a lembrança dos oito foragidos, herdeiros da batalha gravada nas memórias dos arvernos.

"Guerreiro, não se distraia nem por um segundo. Nem por um segundo! César cairá aos pés da estátua de pedra, traído e humilhado pelos seus. É a colheita que receberá pelos atos impensados." A voz dos seres brilhantes ecoava em sua mente. A profecia se concretizaria em breve.

Os olhos de Brenno brilhavam de esperança, a honra do seu povo há de ser resgatada! E assim seguiam os dias. Por sua descendência nobre, ao retornar à tribo, pode escolher se afastar da aldeia submetida ao legado de Roma. Vivia sozinho, mas não era solitário. Sua feição amadurecerá bastante e apesar das adversidades, ainda usava o cabelo rígido como a crina de um cavalo e os bigodes longos. Mantinha os músculos fortes através do trabalho árduo no cultivo da terra, a qual se dedicava com grande prazer. Em certas ocasiões, revia o irmão Armel que começava a demonstrar alguns sinais de idade. Armel era alto como o jovem Brenno e também conservava alguns costumes de outrora, como os cabelos claros esticados e o grande bigode do qual se orgulhava.

Quando retornaram à aldeia enfrentaram a triste realidade de ver seu povo reduzido a quase nada. Orgulhosos por natureza, renderam-se em prol dos que ali ainda restavam. Sob o julgo tirano, reorganizaram sua vida. Armel uniu-se a Maelle, guerreira destemida que lutara ao seu lado durante a batalha de Alésia. De uma beleza selvagem, possuía a tez alva como as nuvens do céu, os olhos verdes e profundos como o mar e os cabelos escuros como a terra sob os seus pés. Inseparáveis, tinham agora dois filhos e viviam conforme as normas dos conquistadores.

Maelle, a esposa de Armel, conhecia os segredos dos reinos e de tempos em tempos, organizava uma reunião secreta para o reencontro dos oito. Geralmente, durante as noites que antecediam à chegada da época escura do ano com os primeiros prenúncios do inverno, quando eles se encontravam num bosque próximo a casa de Brenno.

Estavam todos lá! As outras duas mulheres, Ginette e Riona, e os homens, Bragos, Fiacre e Loic. A dor e a saudade eram amenizadas pelos laços de lealdade que os uniam. Acalentavam o coração com as canções de bravura de seus ancestrais, honrando seus Deuses e compartilhando o fogo sagrado, a comida e o hidromel com os espíritos locais. Mas havia algo misterioso no ar.

- A escuridão desta noite parece mais profunda - comenta Riona, puxando seu manto verde. Brenno apenas sorri com o canto da boca e diz: - Alguém vê alguma coisa diferente?

Uma pulsante inquietude toma conta do ambiente. Loic e Fiacre revolvem os gravetos da fogueira e nada comentam, apenas levantam-se em direção as suas espadas. Ginette, sempre muita atenta, aguça a visão e olha ao redor da mata. Bragos com sua impaciência costumeira começa a andar de um lado para o outro. Estão todos em alerta, menos Armel e Maelle que se mantêm em absoluto silêncio. Uma coruja pia ao longe e os olhos se voltam para as árvores.

- Daqui quatro meses a morte será vitoriosa! - declarou Brenno.

Neste instante todos olharam para o jovem e perceberam que não havia nenhum perigo. De repente, uma fumaça brilhante tomou conta da roda de amigos. Mais uma vez, o guerreiro vidente falou: - Na quarta lua nova comemoraremos... Vida e morte, renascidos retornaremos!

Maelle se acomodou nos braços fortes de Armel e contou a todos sobre a visão de Brenno. Com a voz embargada de emoção repetiu suas palavras proféticas: "César cairá aos pés da estátua de pedra, traído e humilhado. É a colheita que receberá por seus atos impensados."

- Que assim seja! - ecoou as vozes no escuro distante.

***
Diz a lenda que, em meados de março do ano 44 a.C., Caio Julio César foi morto por um grupo de senadores e amigos. Traído e humilhado pelos seus antigos protegidos, sob os pés da estátua de Pompeu, ele faleceu.

Uma licença poética baseada nos textos clássicos.

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